Os homens no Brasil são pegajosos.

Nossa este artigo e maravilhoso, e tive que compartilhar aqui, concordo plenamente com Matheus.

Mas eu prefiro estar aqui te perturbando"
Matheus Pichonelli
Se um antropólogo estrangeiro desembarcasse em 2014 no Brasil e decidisse fazer um estudo sobre nossos relacionamentos afetivos a partir do que ouviu no rádio, chegaria a uma conclusão curiosa. Os homens no Brasil, escreveria, são pegajosos, obsessivos, carentes, mandões e mimados. Quando querem algo, falam e agem como quando falavam com a mãe aos cinco anos de idade. Referem-se à parceira como “momôzin”, “mozão”, “mô”. É a senha para uma concessão gloriosa: trocar o maravilhoso mundo da esbórnia para dar à amada um cobertor e uma coleção de filhos. A elas, concluiria o estudioso, caberia a missão de sorrir e aceitar. Caso contrário, teria problemas sérios com o pretendente.
“Poderia estar agora num hotel mil estrelas em Dubai, mas eu prefiro estar aqui te perturbando, domingo de manhã. É que eu prefiro ouvir sua voz de sono. Domingo de manhã”. A música, espécie de hino ao stalker sertanejo, foi a mais tocada no Brasil em 2014. Era repetida uma vez a cada cinco minutos e 30 segundos, de acordo com a reportagem de capa do caderno Ilustrada, da Folha de S.Paulo, desta terça-feira 20.
Na lista dos maiores sucessos, todos cantados em vozes masculinas, estão algumas pérolas do homem-grude, conforme definição da reportagem. A elas:
“Sei lá, dá vontade de te amarrar
Colar em você e te prender a mim
Vontade de casar, ter filhos pra gente cuidar
Pra sempre namorar”
“Num piscar de olhos, tá passando mais de um mês
A gente fica velho e o que a gente fez?
Não deixe o nosso plano acabar
Esteja aqui amanhã quando eu acordar”
“Momôzin vamos fazer assim
eu cuido de você, você cuida de mim
Não desisto de você e nem você de mim
Vamos até o fim”
“Sou TUDO ao seu lado
Preciso te encontrar”
“Eu odeio quando mexe
Em minhas coisas
Vasculhando sem pedir
Mas adoro quando
Me dá seu carinho
E assim me faz dormir”
A nova onda romântico-sertaneja, lembra a mesma reportagem, substituiu as letras sobre carros, bebedeiras e baladas. O eu-lírico agora é outro. Um tem vontade de amarrar e prender – os filhos são uma consequência. Outro determina data e local do encontro. Outro precisa de cuidado. Outro necessita do reencontro sob risco de se dissolver. Outro até tolera a ciumeira da companheira, mas sem o cafuné dela não consegue dormir. É como se o protótipo da música-de-balada saísse da adolescência e entrasse no mundo adulto: desiludido após o boom de consumo dos anos 2000, está agora numa pegada, digamos, mais “pronto pra reproduzir”, como definiu outro fenômeno sertanejo dias atrás.
Estamos, é bom lembrar, no campo do entretenimento, e nesse campo a função última é fazer dançar, cantar e divertir. Mas, ao analisar em perspectiva a tendência da indústria fonográfica, é possível observar a assimilação de uma corrente que, na vida privada, produz uma espiral bem menos romântica do que supõe o verso livre. Que o diga a antiga companheira de trabalho de um recém-anunciado participante do BBB 15: o rapaz é alvo de uma série de relatos de perseguição a mulheres que o rejeitavam. Segundo esses relatos, a obsessão o levou a stalkear, perseguir, mandar mensagens, poemas, seguir na rua, agarrar. Qualquer semelhança com a vida cantada é mera coincidência. Na vida real, a mão pesada do paternalismo vira (ou deveria virar) caso de polícia.
Verdade seja dita, a música sertaneja não está sozinha nessa onda: o que não faltam no rádio, inclusive nos totens da MPB, são hinos à dor e a uma suposta incapacidade feminina de rebater as assimetrias das relações feitas de açúcar e afeto. A noiva que dividia passivamente o caubói com outras três e a moça feia debruçada na janela não me deixam mentir. Robertão – o cara que pega você pelo braço, esbarra em quem interrompa seus passos, que está do seu lado pro que der e vier, que é o herói esperado por toda mulher – também. (O Brasil Post fez recentemente uma lista interessante a respeito. Leia AQUI)
Essa fórmula do sucesso pode ser distinta, mas a estrutura é a mesma: empresários homens contratam produtores homens, que lançam músicos homens para contar histórias de homens ora tristes, ora alegres, mas sempre apaixonados. Esse ideal de amor romântico vê na amada, que às vezes surge como intérprete, uma coisinha frágil e dócil, ora histérica, ora ingrata, mas quase sempre caladas e à espera de flores e filhos.
No momento em que grupos de resistência debatem (e refutam) estereótipos, relações abusivas, assedio e assimetrias nas relações (históricas) de gênero, o sucesso da rádio em 2014 é só um indicativo do quanto ainda falta a ser feito para entendermos de vez o que é amor e o que é cilada.

Comentários